Retrocesso do Vinho Brasileiro
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Retrocesso do Vinho Brasileiro


 
*** Nelton Fagundes– Sommelier da Enoteca Decanter

Diante da possível implantação da medida de salvaguarda ao vinho brasileiro, a frase ‘fazer vinho é fácil, difícil são os primeiros 400 anos’, dita por franceses vinhateiros, é uma dica para os vinicultores brasileiros. Para que nossos vinhos melhorem a cada dia, em vez de estudar, pesquisar e degustar vinhos mundo afora, vamos apenas aumentar os preços dos concorrentes? Demonstramos com isso nossa incompetência, falta de criatividade e falta de perseverança para a evolução.

Não é taxando de forma injusta os vinhos importados que vamos aumentar o consumo dos nacionais, mas, sim, melhorando a qualidade destes. Bom exemplo são os nossos espumantes, que ganham premiações em todo o mundo. Hoje, qualquer sommelier bem preparado e informado sabe que o Brasil é referência em espumantes. Mas não foi sempre assim. Nossos espumantes ganharam respeito aos poucos, com qualidade constante, disputando espaço com produtos diferenciados e tradicionais. Afinal, credibilidade não cai do céu, ou cai?

Os vinhos argentinos, há 15 anos, eram considerados ruins. Hoje, no entanto, a Argentina está em praticamente todos os mercados consumidores de vinho, com uma qualidade incontestável. Já os americanos são sufocados por vinhos do mundo inteiro, principalmente, os franceses de Bordeaux, que em muitos casos são mais baratos que na origem. Apesar disso, o vinho americano representa 70% das vendas e consumo nos EUA. Agora me diga, por quê? Porque o vinho é bom e tem qualidade, preço justo e paixão.

Investir na produção e no mercado de vinhos é sinônimo de incerteza, uma vez que a qualidade da safra nem sempre é garantida. É um trabalho que pode durar gerações. O mercado de vinhos de qualidade no Brasil é recente, digamos de 15 a 20 anos, pouco tempo para se ter uma ideia de terroir e estilo. Tradição demanda tempo e precisamos de vinhos referência para que possamos melhorar nosso paladar e, consequentemente, nossos vinhos.

Além de gerar uma onda de manifestações em vários setores e causar péssima imagem no comércio internacional, tal medida pode deixar uma lacuna de profissionais acomodados e incompetentes. A entrada de chefs de cozinha estrangeiros em nosso país, por exemplo, incentivou nossos chefs a se prepararem e a se desenvolverem. A presença de produtos e serviços de qualidade nos força a melhorar, nos impulsiona a querer algo melhor e a otimizar nosso próprio potencial. Pessoas ligadas ao mundo do vinho - jornalistas, sommeliers, enólogos e enófilos - sabem o quanto nosso país tem ganhado com o acesso a diferentes produtos, com a possibilidade de experimentação e comparação. Eventos com a presença de produtores mundiais e feiras como a Decanter Wine Show, que acontece em junho em Belo Horizonte, têm colocado nossa capital e nosso país na rota mundial do vinho e possibilitado o amadurecimento dos consumidores, na medida em que o vinho de qualidade se torna acessível ao consumidor da classe média. Esse é o caminho, dar acesso, possibilitar conhecimento e aumentar a qualidade.

Inclusive, o que deve ser debatido é a possibilidade de ajuda ao vinho nacional com a redução de tributos pagos. Mas será que o governo aceitaria taxar o vinho como alimento? Hoje, ele não é taxado como produto essencial e cerca de 64% do preço final de um vinho produzido em solo brasileiro é derivado de imposto. O vinho educa o paladar, aguça os sentidos, reuni as pessoas e, principalmente, não combina com exageros.

Nosso vinho tem seu lugar e não pode ser substituído, assim como nenhum outro terroir pode. O vinho nacional tem nosso cheiro, nossa energia, uma brasilidade única, que com o tempo será reconhecida. Mas vale lembrar, não é dificultando o acesso a outros vinhos que ele terá a atenção desejada. Aos envolvidos, abram os olhos e repensem tal medida, a meu ver, um tiro no próprio pé. Nosso país já está cansado de retrocessos.



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