Dez perguntas para... Eduardo Angheben
Vinhos

Dez perguntas para... Eduardo Angheben


Eduardo Angheben ao lado de seu pai, Idalêncio, em evento promovido pela Vinci Vinhos. Foto gentilmente cedida pelo site Enoeventos.

O blog Vinho para Todos inaugura hoje uma seção que se dedicará a entrevistar uma personalidade do mundo do vinho pelo menos a cada dois meses, publicando a entrevista no dia 15.

Para a primeira entrevsita escolhemos o enólogo Eduardo Angheben, que ao lado de seu pai Idalêncio, comanda uma das vinícolas brasileiras mais interessantes. Seus vinhos primam pelo pouco (ou nenhum) uso da madeira e são elaborados com uvas menos conhecidas do consumidor brasileiro, como teroldego e barbera. Produzem ainda os tintos touriga nacional, cabernet sauvignon e pinot noir, além de um gewürztraminer e um ótimo espumante brut, todos provenientes do terroir de Encruzilhada do Sul.

VPT - Eduardo, conte para nossos leitores um pouco dessa história de você e seu pai serem os "descobridores" do potencial vinícola de Encruzilhada do Sul.
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A história sobre a nossa "descoberta" de Encruzilhada começou com um professor meu do Curso Superior de Enologia. Ele se chama Eduardo Giovannini e morou lá em Encruzilhada do Sul na década de 80. Nessa cidade ele produzia mudas de plantas frutíferas e me contou que o clima de lá era interessante. Ele também já havia comentado isso com meu pai em meados de 1984/85.
Em 1996, cursando a cadeira de Viticultura eu tive que realizar um projeto de pesquisa buscando identificar as condições edafoclimáticas de uma possível nova região vitivinícola no Brasil. Decidi fazer essa pesquisa sobre o município de Encruzilhada e solicitei uma ajuda para meu pai que buscou livros sobre o Zoneamento Agroclimático do RS. Juntamente com dados que eu havia coletado, mais esses últimos, compilei tudo em um estudo que indicou que a região da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul era uma região bastante favorável ao cultivo da videira.
Mais tarde, já com intenção de começar nossa vinícola decidimos que iríamos procurar terras para tal e incluímos Encruzilhada entre os possíveis lugares a se implantar os vinhedos. Meu pai ainda trabalhava na Chandon e aprofundou e apresentou meu projeto para esta empresa. O projeto chamou atenção e a multinacional decidiu pela compra de terras em Encruzilhda. Passamos de 1999 a88 hectares. 2000 procurando áreas de terras para as duas empresas até que adquirimos a nossa propriedade de
Nela decidimos que iríamos plantar uvas consideradas tradicionais como a Merlot, Cabernet Sauvignon e Chardonnay, mas também faríamos um laboratório com uvas pouco conhecidas ou que nunca haviam sido cultivadas aqui no Brasil.
Desde 2000, portanto, estamos com os vinhedos implantados em Encruzilhada do Sul chegando atualmente a 25 hectares dos quais a maior parte é vendida para outras empresas.
A Angheben fica com uma parte pequena da produção comprando a preço de mercado já que os vinhedos constituem uma empresa separado. A Angheben foi responsável pela implantação e desenvolvimento do projeto técnico fornecendo todo o suporte técnico para os vinhedos, assim divulgamos a região e isso gerou o interesse de outras empresas que se instalaram posteriormente na região o que deu mais credibilidade ainda ao nosso projeto.
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VPT – A cantina da Angheben está instalada no Vale dos Vinhedos, distante cerca de 330 km de Encruzilhada do Sul. De que maneira isso interfere na produção?
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Na realidade a distância entre o Vale dos Vinhedos e Encruzilhada do Sul é de cerca de 250 km. Essa distância influência na questão de custo uma vez que encarece o frete. Todavia, na questão de qualidade temos um sistema de qualidade para a vindima que mantém a uva totalmente sadia e inteira desde a colheita até a chegada da uva na vinícola. Toda a uva é colocada em caixas e nelas é depositado no máximo 17 kg em cada caixa sem que nenhuma fruta seja esmagada pelo peso. As caixas são arejadas e tudo é feito no mesmo dia desde a colheita até o recebimento da uva. O transporte normalmente é feito à noite e processamos a uva na mesma noite. Caso tenhamos que transportar durante o dia isso é realizado com caminhões refrigerados. Portanto, conseguimos manter os níveis de qualidade para se elaborar ótimos vinhos.
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VPT – Por que a escolha por variedades menos populares para o consumidor brasileiro, como teroldego, barbera e touriga nacional?
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Primeiramente tudo foi pensado em termos de um "laboratório". Todavia, sabedores que o consumidor de vinhos finos é e está cada vez mais "curioso" e ávido por novidades e muito interessado em apreender sobre novos vinhos e novas possibilidades, resolvemos testar variedades diferentes. Algumas não deram um resultado satisfatório e após 3 ou 4 anos de produção, substituímos as plantas pelas que haviam dado ótimo resultado e tinha melhores perspectivas de mercado.
O caso da Teroldego, Barbera e Touriga foram as variedades diferentes que se destacaram positivamente em termos de vinho desde o início do projeto e por isso temos os vinhos no mercado há algum tempo. Mas foram destaques também a Chardonnay, a Pinot Noir e a Gewurztraminer.
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VPT – O cabernet sauvignon foge dessa proposta. Por que a escolha dessa uva e não da merlot, que é tida como a que mais se adaptou ao clima brasileiro?
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O caso da Cabernet Sauvignon teve dois aspectos. Um o aspecto técnico que foi testado como nas demais cultivares. Contudo, o aspecto mercadológico fez com que fosse umas das escolhidas para o "laboratório". Caso desse certo, como foi o caso, seria um vinho mais fácil de vender.
O caso da Merlot foi semelhante. Plantamos e ainda temos os vinhedos dessa uva. O resultado não é exatamente o que nós esperávamos. Confesso que gera um bom vinho, mas não o que eu esperava. O resultado da Merlot no Vale dos Vinhedos se mostra superior ao dessa mesma uva em Encruzilhada do Sul.
Gostaria de ressaltar que essa é uma opinião pessoal.
Creio que quando abordamos a questão de uma variedade para o Brasil devemos levar em conta que estamos falando de um país de dimensões continentais e portando, de muito microclimas diferenciados. Generalizar os aspectos climáticos afirmando que existe uma variedade para o Brasil é bastante delicado. A questão do Merlot é um bom exemplo para discutirmos isso. É notório o resultado positivo dessa uva para a região da Serra Gaúcha é mais notório ainda quando falamos de Vale dos Vinhedos. Isso não significa que a Merlot deva ser a uva escolhida para regiões da Campanha Gaúcha ou a Região do Vale do São Francisco, por exemplo, mas já uma realidade no Vale dos Vinhedos.
O mesmo pode ser analisado sobre o Espumante. Considero que para a Merlot e para o Espumante (tipo "champanha") as regiões da Serra Gaúcha em especial o Vale dos Vinhedos são as que geram os melhores resultados e que em breve farão a fama da Vitivinicultura do Brasil. Talvez a curto prazo esses dois tipos de produtos se tornem os "vinhos emblemáticos" do Brasil. Esses produtos provarão por si sós que o Brasil tem sim clima apropriado para vinhos finos, desde que se respeite a vocação de cada região. Se o Chile é bom para Carmenère e Cabernet Sauvignon, a Argentina é a terra do Malbec e o Uruguai do Tannat, o Brasil será respeitado pelos Espumantes e pelo Merlot do Vale dos Vinhedos.
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VPT – Vocês não utilizam madeira (ou utilizam pouca) em seus vinhos. É uma tentativa de fugir da “padronização” em voga nos vinhos sul-americanos?
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Nossa proposta é respeitar as características da região e da uva nela cultivada. Claro que ainda estamos buscando uma identidade, uma vez que temos plantas de apenas 9 anos. Estamos "construindo" podemos dizer assim, um novo "terroir" em Encruzilhada. Ainda temos muito para aprender sobre o comportamento das uvas lá cultivadas e temos que ter muito cuidado na utilização do carvalho para que não mascare as características típicas desses novos vinhos. Sem dúvida uma grande parte dos vinhos elaborados no Novo Mundo sofrem essa "padronização". Não sou contra essa forma de produção, o que não sou favorável é que se venda esse tipo de produto como se fosse esse o único "padrão". Quando falamos de vinhos não podemos ficar presos a padrões impostos. Há inúmeras diferenças nos vinhos de cada região e essa é a grande virtude, a verdadeira graça do mundo do vinho. Impor ao consumidor que está ainda aprendendo a provar vinhos um padrão e dizer a ele que este é o padrão de qualidade é uma irresponsabilidade ou no mínimo há interesses comerciais por trás disso. Esse "padrão" standartizado de vinhos com pouca acidez, muita madeira, e sabor que parece adocicado, não traduz o verdadeiro valor de experimentar um vinho que revela o sabor de uma determinada região. Devemos mostrar ao consumidor que o vinho é a expressão organoléptica de uma região, provar um vinho do Vale dos Vinhedos ou de uvas de Encruzilhada do Sul é sentir o sabor e os aromas dessas terras. O mesmo vale para um vinho do Pommerol, ou da Toscana. Provar um vinho que não apresenta características típicas de sua região, no qual não se sabe direito se seu sabor parece com um vinho do Chile, da Austrália ou da Califórnia tem o mesmo valor do que tomar um refrigerante.
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VPT – É possível produzir um pinot noir de destaque no Brasil? Que características ele terá?
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A uva Pinot Noir é bastante delicada de ser cultivada em qualquer parte do mundo. Na Serra Gaúcha ela vem obtendo sucesso para a elaboração de espumante. Para vinho tinto ainda é cedo para afirmar que produziremos vinhos de destaque. Mas com certeza é possível elaborar bons Pinots. Tanto na metade sul do RS quanto na Região dos Campos de Cima da Serra do RS estão sendo obtidos resultados interessantes. Em ambos os casos os vinhos resultantes são vinhos leves e delicados. Frutados, frescos e fáceis de beber embora com diferenças em função de cada região. Contudo ainda é cedo para se afirmar que já existe um Pinot típico e único no Brasil. Porém, nada impede que isso aconteça.
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VPT – Por que não produziram vinho em 2009?
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A Angheben vem produzindo quantidades muito pequenas. Temos um capital limitado para investimentos e desde nossa fundação elaboramos vinhos independente da qualidade de cada safra. Todavia, só engarrafamos os vinhos que apresentem um nível de qualidade que julgamos satisfatório. Assim, em algumas safras vendemos os vinhos que até eram bons, mas não o suficiente para ser um Angheben. A diferença agora é que uma vez que a qualidade da uva não for excelente não será mais elaborado vinho. Elaborar o vinho e ter que vendê-lo a granel não vale a pena no nosso caso. Em 2009 foi parecido.
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VPT – Vocês optaram por não distribuir seus vinhos diretamente, mas através da Vinci Vinhos. Por que?
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Existe uma grande dificuldade de logística no Brasil. O país é bastante grande e os custos de frete muitas vezes inviabilizam a comercialização direta pela vinícola principalmente em se tratando de venda a restaurantes. É sabido que hoje em dia poucos restaurantes mantém um estoque grande de vinhos. O normal é manter o mínimo possível e ai as compras são bastante fracionadas. Assim o frete acaba onerando o preço do vinho. A saída é a busca por um distribuidor que atenda e distribua o vinho localmente. Esse é o caminho mais viável embora as margens sejam menores para o produtor.
No caso da Vinci ela não é simplesmente uma distribuidora. Por trás da Vinci existe uma equipe muito competente, liderada pelo Ciro Lilla que dispensa apresentações. Tendo o aval do Dr. Ciro a Vinci entendeu nossa proposta e filosofia de trabalho. Tanto a Vinci quanto a Angheben não estão querendo defender o vinho brasileiro simplesmente. Nós estamos "levantando a bandeira" dos vinhos de qualidade e a Vinci encontrou na Angheben essa qualidade independentemente da origem. Ou seja, sem preconceitos contra o "vinho nacional" a Vinci reconheceu o trabalho da Angheben e além de disponibilizar nossos vinhos no mercado vem com muita competência mostrando e divulgando o trabalho, o pioneirismo e a qualidade de uma pequena Vinícola do Brasil.
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VPT – Se você fosse escolher pra beber em casa um vinho tinto, um vinho branco e um espumante brasileiros (que não sejam Angheben, claro), quais escolheria?
Certamente escolheria um Merlot do Vale dos Vinhedos. Gosto muito do Merlot V.E. produzido pelo Spa do Vinho aqui do Vale dos Vinhedos. Há bons tintos feitos da uva Tannat aqui no Vale também. E ainda estão surgindo belos tintos da Serra do Sudeste do RS e na região da Campanha.Já para os Espumantes, pode-se dizer que há vários de ótima qualidade aqui na Serra Gaúcha, seria injustiça eleger um só, mas o Chandon Excellence bem como os espumantes da marca Estrelas do Brasil são muito bons. Nos vinhos brancos considero que ainda estamos devendo ao consumidor... talvez eu iria procurar algum Riesling Itálico, mas esse vou ficar devendo a indicação.
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VPT – Que novidades podemos esperar da Angheben para as próximas safras?
Estamos repensando algumas coisas aqui na Angheben. Certamente virão novidades, provavelmente um novo espumante, esse mais leve e frutado e nos tintos pensamos em vinhos de cortes para serem vinhos tops. E há ainda outras novidades mais para frente, mas essas vamos falar numa próxima vez, combinado?



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