Participei, no passado dia 29 de Abril, num almoço organizado por João Roseira, Luís Antunes e Luís Louro. As aliciantes garrafas Magnum quase nos fizeram chegar ao jantar. O dito repasto seria baptizado com nome de operação especial: MoiroMagnumDentol, e contou com 6 ilustres cozinheiros que prepararam 6 pratos adequados aos vinhos servidos. Até agora tudo perfeito e mais ficou com o local escolhido: Quinta do Mouro, de Miguel Louro (Estremoz – Alentejo).
Podia estar tudo dito, mas não está, fomos mais de 20 participantes, entre os quais vários nomes ilustres do mundo do vinho e da gastronomia: Álvaro de Castro, Dirk Niepoort, David Lopes Ramos, António Saramago, Miguel Louro e Luís Gutiérrez (jornal “El Mundo”).
Antes do almoço deu para pôr a conversa em dia, tendo sido proposta uma pequena prova de vinhos por parte de Miguel Louro, o anfitrião da casa.
Foi desta maneira que um Clos Uroulat Cuvee Marie me acompanhou em grande estilo até nos dirigirmos para a mesa, onde ao sentar nos esperava um Champagne Deutz Blanc de Blancs 2000.
Vou tentar explicar o magnífico momento que foi todo aquele almoço, mas não sei se vou conseguir. Tentarei colocar os pratos servidos juntamente com os vinhos que os acompanharam, ou diria antes o contrário, os vinhos servidos e os pratos que os acompanharam.
Para iniciar o repasto foi servida uma excepcional Sopa de Feijão, feita à mão (os parabéns ao cozinheiro) com dois vinhos das Caves São João, Porta dos Cavaleiros Reserva Branco 1973 e Porta dos Cavaleiros Reserva Tinto 1970.
Aqui o prémio recaiu no branco, que entre a dúvida se teria ou não TCA se chegou à conclusão que não. O tempo no copo revelou algo que muitos não deixaram, um vinho de alto nível com notas que lembram petróleo, com boa acidez, fruta ainda presente e na boca a debater-se bem, apesar da frescura já estar longe da sua melhor forma. Com todo este entusiasmo achei o tinto um pouco mais de cabeça baixa, apesar de ainda mostrar um ar da sua graça... agora o branco, que belo vinho.
O almoço foi prosseguindo e o seguinte pitéu foi um Malandreco de Alheira, um excelente risotto (pelo menos parecia) a que se juntaram dois tintos muito curiosos: o primeiro mostrou uma prova de nariz diferente do normal, exótico, cheio de especiaria, geleia e tosta mas com uma prova de boca algo fora do nível do nariz (que mesmo assim ainda deu que falar, mas sem grandes memórias finais), um Christophe Abbet Syrah 1996 proveniente da Suíça (Valais). O outro vinho servido foi uma enorme surpresa para os presentes, um vinho com uma bela elegância, mostrou-se em grande forma com uma bela evolução no copo... não 4 horas porque não dava tempo para tal, mas foi algo que surpreendeu pela positiva. Um nariz elegante, bom casamento entre madeira e fruta, tudo muito fino com uma frescura assinalável, toque floral presente ainda que tímido... aqui ainda alguém disse que seria um Touriga Nacional, ou que seria um vinho das terras altas... a boca contrastava com o nariz, fino, sóbrio e elegante... no final a Touriga era Castelão e as terras altas ficaram-se por Palmela de onde veio este Escolha António Saramago – Palmela 2001.
Ainda perdidos na conversa sobre a enorme surpresa que tinha passado pelo copo, foi servido um prato de nome Legumes Prensados, com mais dois vinhos a acompanhar. O primeiro vinho servido não seria alvo de grandes elogios, e até foi uma pequena desilusão na sala. Um tinto sem grande chama e algo fraco de atributos, nariz sem grande interesse e até com algum animal a passar pelo copo, na boca temos um vinho que se mostrou pouco, algo delgado e sem muito nervo, talvez o que menos saudades deixou dentro do lote apresentado, um Bernard Baudry - Les Grezeaux, Chinon 2000.
O outro vinho servido, foi um branco que me piscou o olho logo que entrou no copo, a mostrar uma bonita tonalidade amarelo dourado com toque glicérico. Prova de nariz com uma entrada de fruta madura e em calda, revolução de aromas muito interessante, mais uma vez as notas petroladas estavam presentes, mineral em conjunto com flores brancas. Na prova de boca mostrou-se com uma acidez ainda presente , o que é de saudar passado tanto tempo, com toque mineral no final de boca que fez as minhas delícias. Temos então um vinho a saber recompensar quem por ele soube esperar, afinal quantos de nós iriam esperar ou dar tempo a um vinho branco de 1994 ? e quantos esperavam que esse vinho fosse dar uma grande prova como esta ? ... mas que belo Quinta das Bágeiras - Maria Gomes – Branco 1994.
Entre animadas conversas, o tempo foi passando e saltou para a mesa uma Perdiz à Mouro que estava divinal. Os vinhos foram servidos a bom ritmo e com mais uma ligação em cheio, o Champagne Pierre Peters Cuvée Speciale Blanc de Blancs Grand Cru 1998 foi mais uma vez um exemplo da classe de um grande Champagne. Para os mais distraídos convém lembrar que um Blanc de Blancs (Branca de Brancas) é elaborado exclusivamente com a casta Chardonnay. Aqui tudo se mostra de forma diferente ao que se está acostumado, ou seja, foge claramente a Espumantes e Cavas. A mostrar bastante frescura e bolha fina com uma grande finesse de conjunto, prova de boca com sensação de cremosidade muito agradável.
O outro vinho servido também reuniu grande quorum na mesa, mais uma vez mudamos de perfil, e rumamos um pouco mais abaixo no que toca a geografia.
Este vinho apresentou-se com um nariz de bela intensidade e complexidade onde inicialmente invadem o copo, aromas de bagas e frutos do bosque, tudo isto envolvido numa leve penumbra de vegetal seco a marinar num cálice de licor com toque mineral em fundo. Mostrou ainda rasgos de chocolate preto com toque floral de segundo plano, com a prova de boca a ser uma bela surpresa, pois mostrou toque de frescura e um grande equilíbrio aliado a uma bela complexidade. É daqueles vinhos que na boca nos diz, estou aqui, e não se perde no palato ou sai antes do desejado. Grandioso Clos des Papes - Chateauneuf du Pape 2003.
Aqui foi feito um pequeno intervalo, momento ideal para pensar e repensar os vinhos já provados, tirar notas sobre os mesmos e descansar um bocado, que estas coisas dão muito trabalho.
Voltando à mesa, já nos esperava no prato uma Lebre sem Febre... não vale a pena divagar muito sobre a qualidade dos pratos, digamos que está equiparada ao nível dos vinhos servidos.
E como seria de esperar foram servidos mais dois vinhos, um branco e um tinto... pelo que se começou pelo branco, e que branco. No nariz levou-me para um perfil Redoma Reserva, uma fruta em excelente forma em plena harmonia com a madeira, untuosidade, cremosidade, elegância de nariz com baunilha e amanteigados. Na prova de boca tinha o mesmo que em nariz, bela complexidade, cremosidade, frescura mais que correcta, tudo muito apetecível e quase a roçar o provocante... puro prazer. Ainda perguntei se seria o tal Redoma Reserva mas Dirk Niepoort com um enorme sorriso disse que não... lembrei-me de chamarem ao Redoma Reserva o branco de Portugal mais Borgonhês... e fiquei por aqui. O vinho deu pelo nome de Bernard Morey Chassagne-Montrachet Morgeot 1er Cru 2004.
Com tudo isto a Lebre já tinha ido embora do prato, faltava provar o tinto, um vinho que ao primeiro impacto mostrou que era de outro campeonato... pelo menos até ao momento foi dos mais equilibrados de aroma, com uma madeira muito bem colocada, possivelmente é o Mouro Dourado 2002, dizia-se na sala... e a conversa durava como durava o vinho no copo... uma constante mutação de aromas de grande nível. Este sim é daqueles que dá cambalhotas dentro do copo, joga às escondidas com os aromas e o provador, ora temos ora não temos... seria este vinho de 2002, que segredos escondia? seria este o vinho especial que Miguel Louro tanto falava, o da colheita de 2002, que teve, como todos os seus vinhos, uma atenção muito especial?
Muitos dos presentes já o tinham ''despachado'' enquanto ele ainda se desdobrava no copo, grande nariz com notas de fruta muito madura com cacau, tabaco e torrado muito ligeiro... e grande boca, cheio e de enorme elegância... era altura de tirar a capa à garrafa. Por um instante fez-se silêncio na sala.... o brilho de um mito iluminou a sala, olhares de choque a fitarem a garrafa e o copo em que antes tinha sido vertido, à espera do próximo, quem sabe se não apreciado devidamente... olha, é o Pingus 1996.
Ainda meio em estado de choque, e com o João Roseira a tentar leiloar um copo de Pingus a 100€, pensei que mais surpresas estariam reservadas. Novo prato na mesa, de nome Diamantina´s Surprise, que descodificado era Lul´ó Pimentol... mais um excelente prato de enorme contraste de sabores, e mais dois vinhos tintos para a mesa.
O primeiro seria um vinho ainda marcado por alguma força de conjunto com fruta bem presente ao lado de madeira e torrados em bom plano, com toque balsâmico de fundo. Um vinho que se mostra com alguma elegância, um perfil mais familiar e talvez já provado noutras alturas... na boca ainda tem ligeira secura, taninos presentes com alguns toques por afinar. É o tipo de vinho que precisa de mais algum tempo, apesar de já dar uma bela prova. Afinal um Pintia 2002 de Toro tem este comportamento.
Entra novo protagonista, este é cá dos nossos, e ainda bem dizia eu... afinal de contas temos um vinho que não fica atrás de muitos outros, patamar elevado de qualidade e uma marca bem profunda de saber fazer. No nariz, notas de madeira bem presente a lavar a cara à fruta, baunilha e boa tosta. Tudo aqui se encontra num plano de harmonia e a despertar os sentidos nas melhores das sensações. Na boca completa-se o ramalhete em tudo o que foi dito anteriormente, se este vinho teve mimos extra, não se nota mesmo nada... pura classe neste Quinta do Mouro Rótulo Dourado 2002.
Aqui entrámos no prato de nome Do Mouro um Tesouro, ou simplesmente Favada d´Entrecostada de Porco Preto, e desculpem os vinhos mas o prato estava algo de extraordinário, o Porco Preto é mesmo um tesouro e com favas então nem se fala.
Mais dois vinhos entram em campo, um tinto e um branco, com o primeiro a mostrar uma enorme apetência gastronómica. No nariz também foi dos melhores, mais numa onda de finesse, delicado, mas com enorme classe, chocolate de leite, baunilha, café-creme, fruta madura com compota ligeira. Na prova de boca completava-se dando uma prova de grande nível, taninos sedosos, acidez bem colocada num conjunto que mostra uma prova de boca de bela complexidade. Alguma cremosidade aliada a frescura, final de boca de grande nível, um luxo de nome Roberto Voerzio Pozzo dell´Annunziata Barbera D´Alba 2001.
O segundo vinho, remeteu para um mundo diferente, um patamar diferente de vinho branco. São vinhos como este que nos cativam durante uma prova, a frescura que transmite em nariz com notas de uma fruta muito madura, floral num conjunto com muita qualidade e um travo mineral que parece invadir o nariz. Na boca temos mais do mesmo, a enorme qualidade repete-se e temos fruta bem presente aliada a uma frescura de belo efeito que se funde com um travo mineral muito elegante. O nome do vinho consegue ser tão grande como a qualidade que mostrou durante a prova, Weingut Okonomierat Rebholz Birkweiler Kastanienbusch Riesling 2001
Ainda surgiu meio perdido entre pratos, um Confradeiro Reserva 1997, mas naquele momento era um vinho que apesar da boa forma apresentada não conseguiu despertar grande interesse, pelo menos da minha parte. Ao lado do Chinon, seriam a dulpa que menos encanto espalharam, ou quem sabe fosse esta a altura para entrar nos vinhos dedicados à sobremesa.
Entrando na recta final, chegou a altura das sobremesas. Aqui foram servidos dois vinhos, um branco e um Porto Colheita.
No que toca ao branco, mais um nome a ter em mente no que toca a alta qualidade, Fritz Haag Brauneberger Juffer-Sonnenuhr Riesling Auslese 2001 poucas são as palavras para descrever o vinho... admiração ? fascínio ? É daqueles vinhos que nos prendem durante a prova do princípio ao fim. São vinhos destes que nos ficam na memória, como quase todos os vinhos provados ao longo deste maravilhoso almoço.
Para finalizar em beleza e de regresso a terras de Portugal, foi servido um Niepoort Colheita 1969, um vinho que de tão bom que era não vale a pena escrever sobre ele, são daqueles momentos íntimos que gostamos de guardar para nós.
Um sonho não pode durar para sempre, e foi nesta altura que tocou o telemóvel, o relógio batia nas 20h e seria altura de regressar a casa... nessa noite o Benfica empatou, mas quem ganhou foram os vinhos.
Os meus agradecimentos ao generoso convite endereçado por João Roseira e ao Dr. Miguel Louro por me ter dado o privilégio de ser recebido em sua casa.