Vinhos
Espumante é coisa de mulherzinha!
Talvez por conta de sua profissão, Nelson mantinha anotações para quase tudo de sua vida particular. Se quisesse saber o nome de todas as suas namoradas – embora não fossem tantas – ou o nome de todos os aeroportos e rodoviárias que visitou bastava consultar seus rabiscos. Sim, embora contador experiente e habituado às planilhas no computador gostava mesmo era dos velhos cadernos de anotações.
Alguém tão metódico mantinha lista de preferências, mas também de abominações. Uma delas continha tudo aquilo que mais odiava em sua profissão, como trabalhar para algumas cooperativas. Sem nenhum motivo aparente, apenas porque detestava aquela fantasiosa organização, onde os menos privilegiados continuavam sem privilégios enquanto alguém colhia os frutos perpetuando-se no poder da associação. Viu muitos casos assim e passou a inventar desculpas para não ter uma cooperativa como novo cliente.
Também estava em sua lista de descrenças as reuniões no horário do almoço. Primeiro porque o tiravam de sua rotina com a família, do momento com os filhos e a esposa. Segundo, porque os clientes gostavam de marcar tais encontros em lugares que não privilegiavam o conforto, como as churrascarias. Vestir roupa social, às vezes terno e gravata, e ir a uma churrascaria conversar sobre negócios não era a mais confortável das atividades. Pior, quando o cliente resolvia pedir um vinho para impressionar o futuro contratado ou algum parceiro de negócios. Aí, o desconforto era elevado à máxima potência na visão de Nelson.
O último almoço de negócios, marcado para uma churrascaria rodízio, deixou em Nelson a certeza de que esses eventos lhe trazem aborrecimentos antes, durante e depois de acontecerem. É uma daquelas situações que se perpetuam no tempo, com a contribuição generosa de seus clientes.
A gravata estava um pouco apertada, talvez pelos cinco quilos que Nelson ganhara nas últimas férias com a família. A pressão sanguínea parecia estar lá em cima. A cabeça indicava que iria doer e mesmo com o ar condicionado funcionando bem, o suor escorria pelas costas. Já sem o paletó – que estava na cadeira ao lado coberto por uma toalha manchada que o garçom usou para protegê-lo – Nelson estava preocupado com sua aparência, porque em uma de suas listas estava a regra: “Não tirar o paletó se estiver transpirando muito. Manter a elegância”. Tarde demais!
O provável cliente era proprietário de algumas lojas que compram e vendem veículos usados. Sujeito grande e que falava muito alto, talvez para ser notado, talvez por necessidade de sempre se fazer ouvir durante as barulhentas feiras de automóveis. Nesse dia, porém, parece que queria ser notado pelos que estavam almoçando.
− Garçom! Sua carta de vinhos! Disse, sem nenhuma delicadeza.
Nesse momento Nelson começou a imaginar o que viria em seguida. Naquele calor um espumante, um vinho branco ou rosé seriam as melhores pedidas, mas isso seria uma exceção, uma grande surpresa. Já estava imaginando: “se pedir um vinho branco vou sair daqui e fazer uma fezinha na loteria. É meu dia de sorte”. Mal pensou e já ouviu:
− Esse aqui vai muito bem com churrasco. Tinto, 24 meses em barricas de carvalho americano e 14,5% de álcool. É o melhor vinho da carta e o mais caro também! Uma potência!
Nelson ficou imaginando se seu futuro cliente teria escolhido o vinho porque já o conhecia, se pelo preço ou simplesmente porque era um tinto. Olhou para as mesas ao lado, um tanto aflito, para observar o comportamento das pessoas. Será que todas estavam bebendo tintos? Será que o calor estaria incomodando apenas a ele? Se for, talvez seja hora de ir ao médico, porque pode estar com algum distúrbio hormonal.
Olhou para sua esquerda e viu uma mesa com duas moças e um rapaz. Aparentavam ter entre trinta e trinta e cinco anos. Estavam felizes e com roupas leves, condizentes com o ambiente e com o termômetro. Ainda quando observava o trio chegou o garçom com um balde de gelo e uma garrafa de espumante. Não deu para ver qual marca ou país, mas escutou o garçom dizendo: “É esse o brut que pediram?”
− “Sim”, pensou Nelson, “era esse mesmo que eu queria pedir”. E, num raro rompante de sinceridade, virou-se para o cliente pronto para sugerir uma troca, um novo pedido. E começou:
− Seu Carlos, veja aquela mesa do lado...
− Eu vi. Achei estranho. Aquele sujeito não deve mandar em casa. Espumante é coisa de mulherzinha!
Nelson ouviu atentamente a observação e não ousou discordar, enquanto outra gota de suor escorria pela coluna vertebral, chegando ao ponto do corpo onde a elegância já não fazia mais diferença.
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