Vinhos
Desapego, um verbo difícil de conjugar (para alguns)! #CBE
Todo apreciador de vinhos, com o passar do tempo, começa a adquirir hábitos que são muito particulares nesse grupo de seres humanos. Alguns começam a colecionar saca-rolhas, montar uma biblioteca sobre vinhos, frequentar degustações e feiras, alguns se aventuram e começam um blog, mas a maioria tende a montar uma adega com seus vinhos preferidos.
O hábito de colecionar vinhos leva em consideração vários motivos, mas o principal deles é que guardamos vinhos para serem abertos em ocasiões especiais, com pessoas especiais. Mas, na prática, esse projeto não é tão fácil de ser concretizado. Dizemos em tom de brincadeira que o “desapego” é um verbo difícil de ser conjugado pela maioria de nós.
Porém, como diz o título do post, alguns conseguem fazer isso com maior facilidade e as circunstâncias em que isso acontece podem ser tão especiais que repensar o significado de ter uma adega é quase uma obrigação.
Em março estávamos no Uruguai e a Érika, minha esposa, recebeu um e-mail de uma pessoa se identificando como “secretária de um empresário de Uberlândia”, que entrava e contato porque esse empresário queria presenteá-la com “uma garrafa de um vinho de 15 anos”. Imaginando que se tratava de um leitor de sua coluna no jornal Correio de Uberlândia, marcou de entrar em contato com a secretária em nosso retorno ao Brasil.
Dias depois Érika descobriu que o empresário era um conhecido nosso, que por questão de privacidade opto por não mencionar o nome. Tornou-se nosso conhecido em 2009 e, assim como nós, é um amante dos vinhos. Através de sua secretária, Érika marcou uma visita à sua casa, onde deveria buscar a prometida garrafa de vinho.
Chegando lá deparou-se com um homem esbanjando alegria, otimismo e bom humor. Apesar de estar acometido de uma grave doença e sem condições sequer de se levantar da cama, recebeu a Érika e minha mãe com um sorriso no rosto, com espírito aberto e muita vontade de viver bem cada momento de sua vida. Embora saiba da gravidade de seu estado, em nenhum momento reclamou dele ou mostrou-se rancoroso por não mais realizar as atividades mais triviais de seu cotidiano.
Ao final da conversa, que por sua leveza poderia ter acontecido em torno de uma mesa com um bom vinho, o empresário disse à Érika: “não posso mais beber. Tenho uma pequena adega com 25 garrafas. Gostaria que você levasse todos os vinhos pra você”.
Um misto de espanto e alegria resume bem a reação da Érika ao deparar-se com vinhos guardados por 16 ou 18 anos, alguns mais jovens, mas a maioria composta por vinhos antigos, italianos, portugueses, norte-americanos, espanhóis e brasileiros. Veio, inclusive, um Chablis 1992, ou seja, com 21 anos.
Certamente esses vinhos faziam parte de uma adega que seria aberta apenas em ocasiões especiais, com pessoas especiais. Mas, por algum motivo que não tenho condição nenhuma de explicar, foram cair nas mãos de pessoas sem um vínculo de intimidade que justificasse o ato, apenas realizado pelo simples prazer de proporcionar a apaixonados pelo vinho a mesma sensação que o empresário guardou para si e seus familiares.
Se isso não é exercer o desapego em sua potência máxima, não sei o que seria.
E o vinho que abrimos? Um alentejano com 16 anos, em perfeitas condições. A coloração típica de vinhos evoluídos, atijolado, taninos e acidez ainda presentes. Aromas terciários e em boca as típicas notas de evolução. Final de boa persistência. Prazeroso, didático, perfeito!
Como faço ao final de todo post, desejo saúde a todos, mas principalmente ao bom homem que nos proporcionou essa experiência única, não somente em relação ao vinho que abrimos ou às garrafas que ganhamos, mas a tudo que cerca seu ato de grandeza.
* Esse post foi para a Confraria Brasileira de Enoblogs – CBE, cujo tema foi escolhido pelos amigos do Le Vin au Blog, que disseram: “vinho especial de sua adega que esteja pronto para ser aberto” ou “exercitando o desapego”.
Foi o 83º vinho que comentei para a nossa confraria.
A propósito, esse é o 1000º post do blog... quem diria!
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