Velharias (21)
Vinhos

Velharias (21)


Hora e meia de conversa de chacha no Príncipe Real

— 1 fragmento (tema, variação)




1)


27/9/2003

21h56'



1.1)


Uma parede-espelho com cerca de dois metros e meio de altura por uns sete ou oito de comprimento.

Um chão de mármore polido, imaculadamente negro, sobre o qual repousam seis mesas agrupadas aos pares, paralelas relativamente ao espelho, um pouco afastadas umas das outras.

Uma das quais ocupada.

Um par de cadeiras: imitação de cedro polido e cabedal esbranquiçado.

Um par de telefones celulares, um par de maços de tabaco, um molho de chaves, uma esferográfica.

Um cinzeiro acristalado, de aparência frágil.

Um isqueiro Zippo, rosa-violeta-rosa, e duas carteiras de homem.

Tralha espalhada sobre uma pasta de pele gravada a preto e branco; lá dentro, umas cinquenta folhas.

Apontamentos esparsos, desenhos, um exemplar das Nuclear Wallet Cards.

Dois cafés, duas garrafas de Pedras, um pires cheio de chocolates, guardanapos, pipocas.

Salgadas.

Purple Rain.

Um empregado, discreto e eficaz,

(claramente homossexual),

que regressa lentamente para detrás do balcão, a pelo menos dez metros de nós.

Para logo depois se enfiar no reservado do bar, deixando-nos

de novo a sós,

e (quase) em silêncio.



1.2)


Quebre-se o silêncio;

Falemos

De tudo e de nada, só para matar o tempo

que se repete.



1.3)


A partir de hoje, não inventarei mais novos nomes para as personagens que comigo constroem os seus dias. Ou de quem faço os meus. . .



1.4)


O passado resume-se a um jantar opíparo: pata negra com maçã, salmão grelhado, bifes com pimenta verde, profiteroles e um cheesecake mais que vulgar, ou a necessidade de borrar a pintura por parte do cozinheiro de serviço.

E Martini branco, algumas cervejas, duas garrafas de Mouchão, colheita de '89. . .

E aqui, agora, o café.

Por vezes sinto-me feliz por já não ter nada realmente interessante para dizer aos outros. Ou não conversaríamos a legitimidade do TPI.


— Mas não lhe chamaria um mal necessário. . . não acho que seja mau.

— Hmm. . . Um produto da globalização, dizias tu? Pois sim, como tudo o que actualmente faz mover as massas. As pessoas tendem a juntar-se; acaba por ser a tendência natural das coisas. Mas a globalização-conceito, tal como a usam para fazer política, é uma treta. Convém ter os termos bem definidos. . .

— Bem definidos! Então bastará dizer que os homens são mesquinhos. Daí em diante, o resto faz-se acontecer; ponto final.


Enfim, fala-se.

De bridge, do Tiago, do olhos fechados e da Sandra, dos cães com pulgas que agora infestam a alta da cidade, daquela rapariguinha do Kuarenta. . . Do caso Elf e de LeFloch-Pringent.

De Bush. — Pá! Deve ser a primeira pessoa má que conheço e não curto!

Da chuva.

Pausa. Suspiro. Mais uns minutos de silêncio. Mais um cigarro. Mais um sorriso que desponta quando começamos a dizer mal dos nossos amigos comuns.

— E o Zé Pedro?

— O ZP? Tornou-se um mito urbano. Não conseguiu aguentar a pressão. Deixou de existir como homem, passou a ser só alma.


Risos.


— Morreu?

— Sim. Teve de ser!...

— E os outros?


A condição necessária é um animal grande que estrebucha na agonia da morte. Que pensamento cheio de energia! Como foder uma pitinha de perfil fino e pele ebúrnea enquanto sofre um ataque cardíaco. . .


— Todos mortos. E a Mariazinha também.

— Há quem diga que não. . .

— Oh. Merda para eles. Adoro estas luzes. Adoro este espelho. Fico bonito!

— O puto giro aqui sou eu!

— Mas tu és gay, por isso não contas.

— Ahhh! Dis-cri-mi-na-ção!

— Hm. . . não sejas patético.



1.5)


— Sabias que foi precisamente a esta mesa que surgiu a ideia de fundar o "Solar Obelix dos Ácidos"? Há. . . dois ou três meses atrás; já não me lembro. . .

— Não. Mas foi aqui que te ensinei a deitar água das Pedras no café.



2)


— E o Pinto Gouveia?

— Vai bem. Almodovar havia de gostar muito do penteado dele.


De facto. . .



2.1)


— Tu não vais fazer isso.

— Ai. . . queres ver?

— Tu és um menino muito soft. . . muito soft. . .

— BORN TO BE WIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIILD!

— Oh! Beeeeesta!



3)


"Some say they come looking for drugs, dirty dancing, and pounding-pounding techno music."



3.1)


— Isso do vestir, pá. . . se fosse só por aí. . .

— Foda-se, tem pulgas!

— Merda, pá. Estou farto.

— Não é bem estar farto. Farto. . . de quê? É um abismo. . . um vazio. . .

— Um vazio fodido. Um imenso fastio de tudo. . . E agora? Porque não agarrar-me a outro filme?

— Porque não estudar?

— Porque não. Tu vais?

— Não. Estou doente, pá.

— O mundo não deixa. . .

— Se calhar somos inviáveis. Estamos condenados a morrer.

— Pá, mas resignar-me a mais uns meses de alienação consciente em nome de outro falso fim e que, naturalmente, culminará num novo down? Porque eu sei que vai ser assim!

— Consciente não, pá. . . volitiva, como diria o PG!

— Oh sim, toda volitiva. . . toooooda volitiva!

— Ao menos gostas mesmo dela?

— Não.


Sonhar, voar. . .



3.2)


— Ei! Isso é bués!

— Quinze por cento. Isto é classe. . .

— Isso não é uma gorjeta, são dois copos partidos.

— Já que insistes, podemos levar o cinzeiro.

— A Ana é que faz isso!

— Merda! É verdade.


Vou ter saudades deste lugar. O parque das putas, os viadutos, a linha, a tasca da Natália. . . isto, à noite, é lindo.


— Pá, dar-me? Não! Distraio-me, e depois? Mas não ter nada por que lutar é anti-humano. Ah, puta de vida. . .

— Peço mais dois?

— Sim. Vou mijar. Já volto, 'tá?



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