Vinhos
Velharias (10)
De 18/9/2005. Oh, o sentimento!
Antes de tudo o mais, bebé, fomos a Salamanca, sim. Também é verdade que fotografaste nuvens ao acaso no regresso. E que dormiste uns bons 70Km de cabecinha encostada no meu ombro.
E ambos gostámos muito. E o resto não interessa.
Aliás, que interessam as nossas vidinhas?
Muito, pine-se.
Vou contar-vos um episódio bacoco que presenciámos por aí há uns dias — só porque sim. Aconteceu aqui perto, à entrada de um supermercado. Tínhamos ido às compras, estávamos já a entrar no carro. Passa uma mãe com o respectivo puto, falam em voz alta. Ela diz-lhe: "Não mexes em nada, ouviste? Em nada!" Responde o puto: "Nem no lixo?" Aí ela irrita-se... Ainda ouvimos que "nem no lixo nem em nada!" — entretanto fomos embora.
Agora imaginem este diálogo em espanhol.
Que interessam as nossas vidinhas? A alguns dos meus queridos e bem-amados leitores, muito. E eu não tenho nada contra os solitários vazios que vivem as vidas dos outros, pelo que vos alimento a curiosidade. O pinscher vê-me comer. Ladra e saliva. E eu vou comendo mais devagar, sempre de olhos postos nele. Assim o castigo sem me comprometer.
Pois bem, eu e a minha adorada esposa somos um casal já velho, o que nos leva à seguinte equação:
rotina . trivialidades ... quase tédio
quase tédio . almas fogosas — foda,
às vezes no mau, muitas vezes no bom sentido da palavra.
Eis pois a conclusão a que vos quero levar sem me dar ao trabalho de articular o discurso.
*Puto, pita, lês-me? Eu e ela somos como os teus pais a discutir.
É porque pisei o chão lavado de fresco.
É porque ela me encheu a cabeça por ter pisado o chão lavado de fresco.
É porque não abri a janela da cozinha antes de fumar lá dentro.
É porque ela...
Etc.
*Entretanto, passamos grandes bocados a trocar miminhos, deitados diante do televisor, barritas de chocolate sempre à mão. Não fazer nada é uma arte, blá blá blá.
Enfim, miminhos na cama. Depois, banho. Ela primeiro. A minha bebé toma muitos banhos por dia, o que me faz parecer porco, às vezes. Também não compreende lá muito bem que, para um homem, limpeza não tem precisamente o mesmo significado que para uma mulher.
Antes do meu banho, larguei na retrete três belas postas. Três belos cilindros de 15 por 4. Centímetros. Senti uma vibração anormal quando puxei o autoclismo. Ia entupindo tudo. Lá nas profundas, as ratazanas até devem ter batido palmas. Coincidência, magia (vem aí uma Lua poderosa, dizem) ou consequência necessária de uma dieta à base de carne e chocolates?
Depois do banhinho, sou um homem novo. Até cheiro a Bvlgari. Fomos às compras. Podia comentar que levámos a p... a meretriz da cadela connosco e que ela não parou de ladrar; até já o tinha escrito, mas depois achei melhor riscar essa linha para não ferir susceptibilidades. É que devemos respeitar todas as formas de vida — e isso não se resume a não matar.
A propósito de não matar os bichinhos que Deus coloca nas nossas vidas, há tempos comprámos um insecticida a que a mãe da Sara chama reikiano. Pufffffft, espalha-se, e as moscas até caem, só que ressuscitam passado um bocado. Aprovado por Buda, aposto, e o único que não enche a minha menina de dores de cabeça. A marca? Copa de Plata, amarelo.
*Ok. Já defequei, já tomei banho, já fui às compras, já vim trazer a cachorra de volta a casa. Fiquei com a Sara e fomos passear.
O que começa como uma volta à caça de fotos —
Talvez seja do que representa este mês, toda esta altura, quando olhamos para o passado. Talvez seja do tempo —
Talvez por anoitecer tão cedo por entre aqueles montes
de caminhos vazios
aldeias semidesertas onde só se vêem velhos
Juntos e sós, assim acabamos. "Descreve aquilo que ontem sentiste numa só palavra, consegues?", pergunto-lhe. E ela diz: "Solidão".
"Quando lá passo, sinto
que tudo é para nada."
O vazio da vida,
Uma tristeza que pode passar,
(eventualmente) passa...
"Mas o vazio fica dentro de mim..."
Céu, montes, árvores, pedras.
Uma lua espectacular.
negro — cinzento — azul
prata — cinzento — negro
negro — azul — negro,
Um pesadelo burtoniano.
Jorge, olha para o que escreves.
O tom etéreo? O único possível.
Não quero escrever mais sobre isto.
Fica sempre tudo por dizer,
e nós não merecemos.
Deprimidos, sim, também, mas não só. Ainda na mesma noite, andámos a rondar bares de putas. Ficaram os instantâneos de homenzinhos que nos olhavam de viés, de dentro dos carros, não fosse algum de nós calhar ser uma esposa desconfiada. Cómico.
Agora comemos chocolate. Enquanto escrevi isto, ela tratou das fotos. Ouvimos umas musiquinhas antigas de ir ao pipi. Sinatra. Marilyn Monroe. Leonard Cohen. Tentei convencê-la a dar uma oportunidade aos Moody Blues. Não quis.
Acho que por hoje é tudo.
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