Devido ao tempo que tenho dedicado a dois projectos que tenho em vista, foi notória alguma falta de actualização de conteúdos no Copo de 3, pedindo por isso as minhas desculpas a todos aqueles que lêem e participam aqui nesta casa.
Após este pequeno período sabático, estou de volta e pronto a dar mais corda do que já tinha antes, para breve está uma remodelação do espaço, mas a seu tempo irei dar notícias.
Poderia começar com um pequeno tratado de Pedologia acerca dos vários tipos de solos onde as vinhas se plantam, as suas diferenças, as suas características e até mesmo qual o contributo de cada um no produto final que é o vinho. Outro assunto possível seria o de dissecar até que ponto é que a Touriga Nacional como casta nobre de Portugal, se pode virar numa autêntica praga a fim de ''capar'' a identidade das regiões que usam e abusam dos seus serviços nos lotes finais.
Porventura nada destes temas me pareceu o suficientemente apetecível de abordar, ainda por mais quando nos dias que correm o que parece andar na moda são as coisas do passado, e como tal ficava lá muito sem muita graça falar de uma coisa actual.
Apetece-me falar do antigo, da velharia, da antiguidade, do vinho velho, daquele vinho que repentinamente ganhou destaque, parecendo que virou moda e anda a transformar tanto enófilo em autênticos Tomb Raiders nacionais.
Se alguém souber a partir de que idade é que um vinho começa a ser chamado de velho que me avise, enquanto isso dizia eu, os vinhos velhos despertam aquele lado da curiosidade mais mórbida que reside em cada um de nós. Não fosse a prova de vinhos velhos uma autêntica roda da sorte onde convenhamos que o factor sorte é preponderante na boa ou má garrafa que nos possa calhar, o que me leva a constatar que:
Em cada enófilo mora um Dr. Victor Frankenstein.
É uma comparação algo estranha, a de comparar um enófilo ao famoso Dr. que mora na obra de Mary Shelley, mas as vontades de um e de outros não deixam de coincidir.
Quantos de nós enófilos, não tentamos dar ou tentar encontrar vida num vinho que não a tinha ?
Imaginemos a cena em que um tal Dr. Frankenstein vai a uma garrafeira perto do seu castelo e vagueando por lá, resolve exumar umas quantas garrafas, sempre na esperança que dali consiga obter o seu máximo propósito... Vida.
Convida então os amigos, uns mais Doutores que outros, para presenciarem aquele memorável momento, afinal de contas são anos de dedicação à causa e que sem se esperar podem desmoronar-se num segundo.
Enquanto uns ficam incrédulos com os nomes daqueles espécimes que estão prestes a fazer parte do ritual, outros mais experientes reconhecem por entre feições enrugadas e degradadas pelo tempo, que afinal até já tiveram contacto com outras gerações dos ditos.
Igor o serviçal do castelo, prepara todo aquele festim com enorme regozijo, o seu amo e senhor pode brilhar naquela noite e nada pode falhar, pelo menos do que a ele lhe compete.
É logo à primeira tentativa que o primeiro oooooooooooooh se ouve na sala, a primeira descarga de energia teria sido o suficientemente forte como que para iluminar uma aldeia por uma semana inteira, apesar disso aquele espécime ficou tão inerte como chegou, nauseabundo e putrefacto, falou-se de imediato que o problema seria do mau estado de conservação.
A segunda tentativa seria bem mais animadora, desta vez a descarga de energia foi suficiente para que momentaneamente todos os presentes esboçassem um sorriso. Está vivo...
Aquele momento de jubilo colectivo estava espelhado no olhar comovido de Igor, afinal o seu amo e senhor, tinha conseguido o que muitos não esperavam.
Aqui e ali foram-se detectando pequenos sinais de vida, o suficiente para animar uns quantos convidados, mesmo os mais cépticos dos que estavam presentes reconheciam que naquele momento tal tinha sido possível. Mas tudo não passou de uns breves instantes, as vozes de euforia foram sendo caladas por um silêncio contagiante que invadiu a pequena sala, era mais que óbvio que algo tinha falhado no processo, tudo se estava a desmoronar... parecia que quanto mais aquele exemplar tentava respirar mais definhava, até que acabou por sucumbir no tempo.
Um dos convidados levantou-se e enquanto puxava de um cigarro perto da janela, explicava que o mal não seria do procedimento mas sim da família do exemplar, que outros por ele experimentados já tinham dados bons resultados e que seria apenas um problema do ano de nascimento.
Era a derradeira tentativa daquela noite fria e chuvosa, e quando já ninguém esperava um resultado positivo, eis que o milagre se deu para espanto de todos. Aquele que para muitos já estaria no eterno descanso vivia de novo, respirava e emanava suficiente frescura, a suficiente para que não fosse tropeçando à medida que se erguia no meio da sala, onde se aguentou firmemente durante todo aquele jantar.
No final todos os convidados falavam entusiasmados sobre aquele magnífico exemplar, que nunca iriam suspeitar que dali fosse possível tal coisa, e que o mais certo seria irem à procura de familiares.
Bem no final da noite enquanto Igor saltitando de jubilo, limpava o salão, o Dr. chamou Igor e sussurrou ao ouvido:
- Amanhã vais à garrafeira ao pé do castelo buscar os irmãos do terceiro exemplar, antes que os outros Doutores lá passem.
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